20 de maio de 2008

ANACrônica

A aviação civil brasileira corre o risco de ser rebaixada na próxima auditoria da Organização de Aviação Civil Internacional (ICAO, em inglês) marcada para maio do próximo ano. Isso porque o quadro técnico da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) vem sendo desmantelado desde que a agência foi criada, há apenas três anos.

Outro fator crítico que também contribui para trazer consequências graves para a aviação brasileira é a falta de autonomia da agência perante o Poder Executivo. Somente uma agência reguladora independente, sem interferência de questões meramente políticas, é capaz de garantir estabilidade ao setor e proteger os direitos de todos os participantes. Afinal, uma agência reguladora é um órgão de Estado, e não de governo.

A situação atual é crítica, a atuação da Anac é cada vez mais omissa com relação aos problemas estruturais pelos quais o setor vem passando. Isso acaba contribuindo para uma deterioração da aviação brasileira, e como consequência, atrapalhará o desenvolvimento econômico do país.

Abaixo, segue o texto de Cláudio Magnavita*, publicado em 19 de maio no site do Jornal de Turismo, no qual detalha a atual situação lamentável da Anac, a qual, do jeito que está, poderia muito bem ser chamada de ANACrônica.

O vôo cego da Anac


Depois de confirmada a renúncia do brigadeiro Allemander Pereira do cargo de diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), cargo para o qual ele estava mandatado e chancelado pelo Senado Federal, fica a sensação de que a agência passou realmente agora a ser comandada por pilotos sem brevê.

Os últimos fatos ocorridos na Anac, uma agência criada há apenas três anos, resultam na demissão em dominó dos seus seis primeiros diretores. Cinco da primeira diretoria e agora Allemander, que foi o primeiro da era do ministro da Defesa Nelson Jobim.

Muito mais sério do que os problemas folclóricos gerados pela presidente da agência, Solange Vieira, a Anac passa por uma crise de problemas estruturais que podem trazer seqüelas graves para o Brasil nos próximos anos. É como se o avião tivesse perdido uma das turbinas no vôo e os seus tripulantes ficassem discutindo a qualidade do serviço de bordo, sem ter noção da situação de risco. Em uma recente visita a uma escola de formação de pilotos, a presidente da Anac resolveu experimentar um simulador de vôo e derrubou duas vezes a aeronave que pilotava virtualmente. De concreto, é algo parecido com o que está acontecendo com o seu comando na agência, só que no mundo real.

Já está marcada para maio do próximo ano a auditoria da Organização de Aviação Civil Internacional (Oaci), organização mundial de aviação, que encontrará um quadro pior do que achou em 2001, só que desta vez o país não terá seis meses para corrigir os problemas encontrados. O retrato que for traçado pelos inspetores internacionais ficará no site da entidade pelos próximos seis anos. Se o resultado for negativo, o Brasil poderá ser rebaixado pelas autoridades aeronáuticas norte-americanas e européias para a categoria 2 (ficando a posição congelada por pelo menos seis anos até a próxima auditoria internacional) ou ainda ser rebaixado para a categoria 3. As aeronaves do países de categoria 2 só podem voar até aeroportos limítrofes, como Miami, Nova York ou Lisboa, ficando proibidos de sobrevoar territórios europeus e norte-americanos. Na categoria 3, os aviões são simplesmente banidos, como ocorreu com a Linhas Aéreas de Moçambique.

A auditoria da Oaci, que está confirmada no site da organização internacional, irá focar principalmente os anexos I, VI e VIII, que checam a capacidade técnica do órgão regulamentador, que envolve pessoal técnico, aeronaves e quadro de fiscalização. Também a Oaci irá colocar a lupa no Anexo XVIII, que envolve cargas perigosas.

O problema é que Solange Vieira acredita que a Anac está "inchada" e que poderia funcionar com um quadro bem menor. Depois que regressou dos Estados Unidos, ela passou a dizer que bastava meia dúzia de comandantes para fazer a fiscalização da Anac no Brasil. A agência deverá perder até o início de 2009, ou seja, antes da auditoria internacional, pelo menos 600 funcionários. Ela tentou acabar com o convênio com a Infraero, o que resultaria na devolução de 200 funcionários, dos quais 80 já perderam a gratificação, com a justificativa que de a empresa aeroportuária é que havia cortado, enquanto na realidade é a Anac que reembolsa à estatal estas despesas. Em março do próximo ano serão devolvidos 280 militares, dentro do lote anual, só que a agência não consegue substituí-los com pessoal civil. No último concurso, das 47 vagas para engenheiros aeronáuticos, só 12 passaram, sendo que oito já pertenciam ao quadro. Na realidade, só houve quatro novas contratações. Como pilotos checadores, haviam 85 vagas, das quais 10 foram preenchidas. Só que novamente cinco já faziam parte do quadro, e só houve o acréscimo de seis.

O quadro temporário de 2001, que foi exatamente colocado para atender às exigências da Oaci, depois da última auditoria – benevolência para ajuste que não haverá desta vez -, deverá ser liberado ainda este ano e a sangria da capacitação técnica da agência vai virar uma hemorragia incontrolável.

Como nenhum dos seus diretores possuía currículo ligado à aviação, principalmente a sua presidente, os danos que forem causados pela atual gestão da Anac à aviação comercial brasileira não trarão nenhuma seqüela séria para eles. Solange Vieira coleciona uma série de queixas dos lugares por onde passou e a Anac será apenas uma a mais. O pior será para o País. O reflexo deste vôo sem rumo se manifestará nos próximos quatro ou cinco anos, no mínimo.

A Aviação Geral, que está diretamente subordinada à presidente da agência, já coleciona 41 acidentes até o fechamento desta edição. No ano passado, foram 96 acidentes, um recorde lamentável e para este ano, alguns especialistas ligados ao comando da aeronáutica, acreditam que poderemos chegar a 120. Um sinal claro que algo de muito errado está acontecendo.

A Anac coleciona um festival de implosões internas e, externamente, a agência fecha os olhos para o que está ocorrendo com a quebra do artigo 181 do Código Brasileiro Aeronáutico, que proíbe que estrangeiros comandem uma empresa aérea no Brasil. No caso da VarigLog, a agência mantém uma passividade perigosa e não toma nenhuma atitude. Dentro de uma semana vence o prazo dado pelo juiz de São Paulo, José Paulo de Camargo Magano, para que a empresa apresente novos sócios brasileiros. Para que isso ocorra, será necessária a comprovação dos investimentos e a compra das ações que hoje pertencem 100% ao Fundo Matlin Patterson.

Uma concessionária pública burlar a legislação federal já faz parte de um cenário onde a mão forte da Anac deveria se fazer presente. Uma mão forte que inexiste, a não ser na deselegância, como foi o caso da última reunião, que colocou na mesma sala os brigadeiros Allemander e Jorge Godinho, secretário nacional de Aviação Civil, o ministro Nelson Jobim e Solange Vieira. Ela ficou todo o tempo insuflando o ministro, que acabou sendo grosseiro e criando um quadro de constrangimento que resultou posteriormente no pedido de saída do próprio diretor.

A agência mantém o segredo das suas reuniões, porque parte das suas decisões são indefensáveis e não resistem a um comentário técnico. Nunca mais as atas foram publicadas por trazerem contestações de quem não aceitou colocar em risco o seu currículo.

A agência perde autonomia quando o Ministro de Estado senta para despachar na própria agência e recebe os presidentes das empresas aéreas. Foi o que ocorreu na sede da Anac, no Rio, com Jobim comandando uma reunião, com uma calada presidente ao seu lado. O que era para ser independente, como uma forma de salvaguardar a sociedade civil dos arroubos e excessos do poder executivo, hoje está efetivamente subordinada de forma servil.


*Cláudio Magnavita é presidente nacional da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo, membro do Conselho Nacional de Turismo e diretor do Jornal de Turismo.

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