21 de novembro de 2007

Resenha: Pouso Forçado

Pouso Forçado: a história por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar.

Daniel Leb Sasaki. Ed. Record, 2005. 296 páginas.


Por Paulo Henrique de Andrade


O livro do jovem jornalista Daniel Leb Sasaki, então com 23 anos e recém-formado pela PUC-Campinas, é fruto de três anos de pesquisa para sua dissertação do mestrado. O jornalista pesquisou a fundo a história da companhia aérea Panair do Brasil, principalmente o trágico fechamento, ocorrido em 10 de fevereiro de 1965, daquela que era considerada a mais tradicional (já com 35 anos de história) e consolidada companhia aérea do país. O foco do livro é o repentino fechamento da empresa imposto pelo regime militar e toda a luta na justiça. Há um capítulo dedicado à trajetória da empresa em atividade, porém sem narração sobre viagens e vôos. Basicamente, é um livro sobre um caso da ditadura. Há temas de História, Política, Economia e Direito. O livro dá bastante ênfase na parte jurídica, narrando em detalhes as bases legais, ou muitas vezes, a ausência delas, de modo a explicar a sentença de cassação das linhas e da falência.

O autor busca responder, basicamente, a três perguntas. No dizer do próprio autor: “O que motivou o assassinato da pessoa jurídica Panair do Brasil S.A.? O que havia nela que tanto desagradava os ‘revolucionários’? E por que até hoje pouco foi feito para reparar os representantes da empresa?”. “Mais do que a narração de fatos há muito ocorridos, o que este livro propõe é o resgate de uma história que repercute até a atualidade” (p.20).

O trabalho é estruturado em sete capítulos e sete anexos. O primeiro capítulo já remete o leitor ao fatídico dia para a Panair do Brasil: 10 de fevereiro de 1965, data na qual o presidente da companhia, Paulo de Oliveira Sampaio, recebeu, em seu gabinete, na cidade do Rio de Janeiro, um telegrama que continha despacho do então presidente da república, marechal Castello Branco, determinando a suspensão, a partir daquele dia, das concessões das linhas nacionais e internacionais outorgadas à Panair do Brasil S.A. O despacho ainda determinava a transferência das linhas internacionais para a Varig. O que mais chama a atenção nesse capítulo é a rapidez com que as linhas internacionais da Panair são assumidas pela Varig. Na noite do mesmo dia da cassação, a Varig posicionou no pátio do aeroporto Galeão, no Rio de Janeiro, um dos seus jatos pronto para assumir um vôo da Panair que partiria para Frankfurt. Era a primeira vez que saía do país um avião de outra bandeira que não a da Panair para a Europa.

O capítulo 2, denominado “Nas Asas da Panair”, explica como se deu a constituição da companhia aérea, a sua consolidação e seus grandes feitos entre as décadas de 1930 e 1960. Fica evidente, neste capítulo, a importância da Panair na consolidação da aviação nacional. Inicialmente, a Panair era uma subsidiária brasileira da norte-americana Pan American Airways Inc. O primeiro vôo de passageiros foi realizado em 02 de março de 1931, na rota Belém-Santos.

Em 1944, um ano após a contratação do engenheiro Paulo de Oliveira Sampaio pelo presidente da Pan American, Juan Trippe, para assumir a direção da Panair do Brasil, 42% das ações da filial brasileira foram transferidas para brasileiros. Isso fazia parte de um plano maior de nacionalização da companhia, conforme exigido por Paulo para que aceitasse o convite. Em 1946, devido à pressão do governo nacionalista de Getúlio Vargas, empresários brasileiros passaram a controlar 52% da Panair. Ao assumir a diretoria, Sampaio iniciou uma série de inovações que projetariam a companhia aérea para o sucesso. Houve um grande esforço, através da programação de eventos e planos administrativos para popularizar a empresa entre todas as camadas da população, nascendo, a partir daí, o carinho e estima da população brasileira pela Panair. Como reflexo desse período nacionalista por que passava o país, em 26 de maio de 1943 foi adotado oficialmente o verde-bandeira como a cor-padrão da companhia. Mais tarde, as aeronaves da frota foram batizadas com nomes de bandeirantes.

Após o pioneirismo da companhia tanto no desbravamento das rotas da selva amazônica (iniciadas em 1933), sendo que em pouco tempo tornou-se a “senhora do Norte” ao servir 43 cidades daquela região, quanto das linhas do interior de Minas Gerais, a empresa voltou-se para a conquista do mundo, através da inédita ligação da América do Sul com a África, Europa e Oriente Médio.

Enfim, foram mudanças que se revelaram bem-sucedidas de tal forma que dois anos depois, a Panair do Brasil já era a empresa aérea mais consolidada do país, possuindo a maior rede aeroviária do planeta. A era de modernidade e consolidação da companhia culminou em 1961, com a chegada do primeiro DC-8: o mais avançado jato de longas distâncias da época.

Por meio da parceria com o empresário paulista Mário Wallace Simonsen, Celso da Rocha Miranda adquiriu o controle de 64% das ações, cessando, assim, a participação da Pan Am entre os acionistas. Em mais um ato de ousadia, Paulo Sampaio assinou contrato de compra para quatro jatos franceses Caravelle. Recebidos em 1966, passaram a voar nas principais linhas nacionais e da América do Sul. O mais interessante era que, no contrato de aquisição desses jatos, havia uma cláusula que possibilitava à Panair a preferência para aquisição de três supersônicos Concorde, constituindo assim a primeira encomenda mundial dessas aeronaves.

No capítulo 3, são narrados os acontecimentos imediatamente após a decretação da falência pelo juiz da 6ª Vara Cível do Rio de Janeiro, em 15 de fevereiro de 1965. O juiz não aceitou o pedido de concordata preventiva o qual havia sido dado entrada pelos advogados da companhia. Os pronunciamentos dados pela diretoria da empresa aos funcionários e jornalistas procuravam discorrer e insistir sempre que a situação econômico-financeira da empresa, não estava, como afirmava o Ministério da Aeronáutica, irrecuperável e, por isso, ameaçando a segurança de vôo. Na verdade, quanto ao quesito manutenção, não faltavam argumentos a favor da companhia, tanto que sua manutenção a colocava entre as empresas mais avançadas do mundo, principalmente após a aquisição da Celma, em 1957, transformando-a na maior empresa revisadora de motores a pistão e a jato da América Latina, e onde eram revisados não apenas motores da Panair e empresas congêneres (inclusive empresas estrangeiras) mas também da Força Aérea Brasileira.

O capítulo 4 dedica-se em mostrar pronunciamentos de congressistas, alguns dos quais até hoje personagens da política nacional, acerca do “Caso Panair”. O Ministério da Aeronáutica havia solicitado que o senador João Agripino, representante da UDN da Paraíba e líder do governo, explicasse ao presidente do Senado e demais parlamentares os motivos que levaram o marechal Castello Branco a cancelar as linhas da Panair. O que se ouviu foram ataques seríssimos ao grupo Rocha Miranda-Mário Simonsen, acusando os dois empresários, os quais já usufruíam de apreciável posição nos mundos empresariais brasileiro e internacional, de terem adquirido a Panair apenas para servir de mero objeto de operações criminosas para beneficiar as demais empresas do grupo. Após o discurso do parlamentar paraibano, seguiu-se uma longa salva de palmas no Congresso Nacional. Com isso, conforme as palavras do autor: “O ato que cassou as concessões de vôo da Panair do Brasil estava consolidado. Legitimado. Reconhecido pelos mais ilustres representantes do povo.” (p.131).

Paulo Sampaio, então, escreveu uma carta defendendo a companhia e o grupo proprietário das acusações de Agripino. O senador Vasconcelos Torres, atendendo ao pedido de Paulo Sampaio, subiu à tribuna para ler a carta e expor a versão da companhia. Com relação à principal acusação, questionou-se o fato de que se o governo classificava a empresa aérea em deficitária e irrecuperável já na época de sua aquisição, não havia lógica em afirmar que aqueles empresários, ao investirem grande capital na aquisição, estavam buscando lucros fáceis para se recuperar. Já com relação aos déficits, foram apresentados os balanços oficiais da companhia, aprovados pela Diretoria da Aeronáutica Civil, do Ministério da Aeronáutica, para contestar assim aquilo que se insinuava para justificar a medida discriminatória que levou a Panair à falência.

O capítulo 5 trata das reflexões do ex-presidente da Panair sobre sucessivos acontecimentos e indícios passados de que alguma coisa tenebrosa estaria para acontecer à companhia e que ele não conseguiu enxergar. Diante da lembrança de vários fatos passados, Paulo Sampaio e a maioria dos panerianos finalmente chegavam à resposta sobre quem estaria por trás de tamanha determinação em fechar a Panair: Ruben Berta, presidente da Varig. Somente ele, mais do que qualquer outra pessoa, se beneficiaria com a eliminação da Panair. Para tanto, contava com a ajuda de importantes nomes da Aeronáutica e da Presidência da República. Tudo indicava como certo que a fraude vinha sendo produzida desde o golpe militar, pois na mesma noite da cassação, Ruben Berta telegrafou aos jornais os horários das novas rotas para a Europa.

O sexto capítulo, cujo próprio nome, “Página sombria nos anais jurídicos do Brasil” ,sugere, dedica-se em trazer à tona a ignorância ousada de preceitos judiciais básicos e universais, como, entre outros, a aplicação retroativa de decretos-lei casuísticos durante o percurso judicial do processo de falência da Panair, tudo para dar amparo às decisões escusas do Juiz da 6ª Vara Cível.

Em 1968, houve a prescrição dos crimes falimentares suscitados e a União não havia conseguido provar as acusações levantadas contra a gestão da Panair. Porém, Paulo Sampaio e demais diretores não queriam se livrar das acusações apenas por essa via técnica. Visando a defesa da reputação e benemerência, meses antes da prescrição, entraram com Habeas-corpus, o qual foi aceito pela “Egrégia 1ª Câmara Criminal”, negando, por unanimidade, a existência de qualquer crime. Mas, baseado no Ato Institucional nº. 5, veio o golpe final da União: o decreto-lei de número 669. Pelo decreto, veiculado pela imprensa antes mesmo de ser oficializado pelo Diário Oficial e menos de um mês depois do pedido da Panair pela concordata suspensiva, as empresas aéreas e de infra-estrutura aeronáutica ficavam impedidas de requerer concordata. Isso valia também para os casos em curso.

O último capítulo analisa, num primeiro momento, as conseqüências do fechamento da Panair do Brasil. Como exemplos, são citados os serviços de atendimento às regiões isoladas da Amazônia, os quais “nunca foram substituídos à altura.” (p.199). A ida de grande parte de mão-de-obra especializada do país para empresas aéreas européias que, sem a necessidade de gastos com treinamento, “desenvolveram-se para figurar entre as maiores do mundo.” (p.199). A venda da Celma, subsidiária da Panair para revisão de motores aeronáuticos e controlada até 1991 pela Aeronáutica, para a norte-americana General Electric, cessando, com isso, uma grande economia de divisas ao Brasil. Já o Departamento de Comunicações e Proteção ao Vôo da Panair, que passou a ser denominado TASA (Telecomunicações Aeronáuticas S.A.) e que atualmente é o núcleo da infra-estrutura aeroportuária do país, foi absorvida pela Infraero em 1996. A Varig, após adquirir, também por meios obscuros, a Cruzeiro do Sul em 1975, transformou-se na empresa de bandeira do Brasil, possuindo a totalidade das linhas internacionais até final da década de 1980.

Em 18 de dezembro de 1984, coincidindo com o processo de abertura política, houve um passo decisivo para a reabilitação da companhia: os ministros do Tribunal Pleno decidiram, por unanimidade, que o governo havia errado ao cobrar da companhia duas vezes a mesma dívida. Dessa forma, “[...] o destino da Panair do Brasil cruzava mais uma vez com o do próprio país.” (p.202). Mesmo assim, a Procuradoria Geral da República tentou anular essa decisão judicial, isso fez com que o processo se arrastasse por anos. O presidente João Figueiredo ainda propôs a Celso Miranda a oferta de 10 milhões de dólares aos acionistas, pois era essa a quantia estimada que a empresa possuía em caixa em 1965. Em troca, os diretores teriam que retirar as ações judiciais que moviam contra a União, porém, o empresário recusou. Para ele, aceitar aquilo “seria desonrar a memória da violência praticada contra os panerianos e da sua luta pela justiça; uma luta que ainda não havia acabado.” (p.203).

Finalmente, em 4 de maio de 1995, houve o levantamento da falência, perante o Juízo da 6ª Vara Cível. “Infelizmente, o antigo diretor-presidente Paulo de Oliveira Sampaio e o empresário Celso da Rocha Miranda já não estavam mais vivos para testemunhar esse momento de júbilo dos panerianos”. (p.204).

Todavia, o autor lembra que até hoje não houve um reconhecimento oficial da União de que a Panair do Brasil foi vítima de perseguição do Estado, mesmo depois de revogar os decretos-leis 496 e 669 para possibilitar que a Varig pedisse concordata em 2005. Uma medida provisória, de 1996, previa o reparo aos danos causados a Panair, aos funcionários, a legalização da transferência dos bens ocupados pela União e até a possibilidade de concessão de novas linhas aéreas. Porém, o governo arquivou o texto na Advocacia Geral da União.

Ao conseguir responder às perguntas colocadas como objetivos, graças a um esmero trabalho de pesquisa, mesmo diante das muitas dificuldades existentes na busca de informações, pois se trata de fatos ocorridos há mais de quarenta anos e boa parte dos arquivos da Panair foi destruída intencionalmente, o autor mostra a importância de os fatos narrados tornarem-se cada vez mais públicos. Evitando-se, assim, com que pessoas responsáveis diretamente pelo fechamento da Panair continuem consideradas como grandes personalidades da aviação brasileira.

Além disso, Daniel Sasaki trás novos questionamentos e sugestões para outros estudos acerca do “Caso Panair”: “O que leva centenas de antigos empregados a continuar comemorando o aniversário da empregadora, 40 anos depois do fechamento? Quem explica o fenômeno ‘Família Panair’? E como explicar a sua trajetória na Justiça, que representa caso único também na história forense?”. (p.205).

O autor narra em linguagem simples, praticamente coloquial, facilitando até mesmo um melhor entendimento das inúmeras situações jurídicas narradas, não exigindo um conhecimento específico da linguagem forense. Outro importante recurso utilizado por Daniel Sasaki é o uso de diálogo para reconstituir situações entre os personagens, isso evita cansar o leitor com trechos apenas descritivos. Ainda como preocupação de levar o leitor a retroceder àquele momento ímpar da história do país, existem 16 páginas com fotos, além dos anexos trazendo documentos importantes da época, deixando o leitor melhor informado sobre o “Caso Panair”.

Essa magnífica obra escrita pelo jovem jornalista deve ser leitura obrigatória não apenas aos amantes da aviação comercial, mas também a todo cidadão interessado em conhecer importantes e esquecidos episódios da história política recente do país. Trata-se do primeiro livro de Daniel Sasaki e recebeu o segundo lugar no Prêmio Expocom de Jornalismo.


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